AS RELAÇÕES TEMPORAIS DO ENSINO DA HISTÓRIA NA PERSPECTIVA DE ENTENDIMENTO DA SOCIEDADE BRASILEIRA E SEUS CONFLITOS
Um texto de D☺NI® ASSIS (Escola Curumim 1999)
O primeiro semestre de 2000 foi muito produtivo no que se refere ao ensino de História aqui na Curumim. Essa produção toda que vou relatar neste texto tem algumas peculiaridades. Elas devem ser observadas numa ótica prático pedagógica que talvez não seja aquela que muitas vezes espera-se de um ensino de História, voltado exclusivamente para a leitura de fatos ao longo do tempo. O referencial teórico a sustentar as idéias a seguir na leitura do nosso trabalho repousa em textos de dois autores importantes. Freinet e Rubem Alves. Ambos preocupados com as realidades da sala de aula proporcionaram-me uma reflexão mais aprofundada sobre como vincular os interesses dos alunos a necessidade de mostrar a importância e o papel da História no mundo moderno. Entender que o presente na realidade é o resultado de um processo e que este, está repleto de fatores que conjugados levam-nos a entender a existência de projetos de vida e sociedade.
Freinet construiu sua prática pedagógica simultaneamente na leitura que fazia das marcas sociais da França nos anos 20. Ao iniciar seu trabalho no magistério, ele foi verificando o painel social que se apresentava num país ao mesmo tempo rico em alguns lugares, mas pobre na periferia. Essa pobreza era a explicação para o abandono daquelas crianças quase sem escola no interior da França. Freinet foi propondo um novo jeito de ensinar na medida que foi entendendo aquela sociedade carente de seu tempo. Todo jeito de educar foi ganhando espaço na medida em que vinculou a realidade social de seus alunos ao trabalho de ensinar. A crítica ao mecanicismo escolar criou vias de acesso para caminhos onde o aluno poderia ver em seu dia a dia, no trabalho de seus pais no campo onde buscavam seu sustento as maiores lições aprendidas na escola. A grande ação política de Freinet foi trazer a realidade do aluno para dentro da sala de aula com tanto bom senso. Não deletou a prática pedagógica de procurar fazer com que o aluno fosse acumulando conhecimentos específicos, mas permitiu-o que sua vida pudesse ser estudada em sala. A militância de Freinet nos espaços políticos de sua época, creio eu, tenha sido uma rica influência. Sua práxis pedagógica tinha os contornos da contribuição social e cidadã que tão importante era, e ainda é, dentro da ação pedagógica do professor. O trabalho em sala de aula tinha uma leitura de como uma sociedade voltada para o trabalho produtivo tinha em suas instâncias políticas o caminho em solucionar os conflitos sociais, tão fortes no entre-guerras do início do século. A política do bom senso de Freinet me permitiu uma leitura mais apurada de outro autor, Ruben Alves que há alguns anos escreveu um artigo para o Correio Popular refletindo quais são os cuidados especiais que todo professor deve ter para ensinar História.
Ruben Alves faz o mesmo caminho de Freinet, e isso me mostrou como a leitura sobre a sala de aula vai sendo atualizada sem perder algumas essências. O artigo a que me refiro agora, chama a atenção sobre a necessidade de entender que todo adolescente de 14 anos só gosta do que é útil e dá prazer, porque então se interessaria por conhecimentos históricos, tão desvinculados de sua realidade? Utilizando o bom senso o professor deve buscar na realidade do aluno o ponto de partida de um conhecimento. Pequenas coisas do dia a dia ou objetos insignificantes podem proporcionar um ensino de História consistente. Posso visulalizsar que se Freinet foi mais ousado na proposta buscando uma realidade social mais ampla, Ruben Alves vai ao núcleo da questão de forma mais específica. Diz textualmente sobre as aulas de História. Numa perspectiva micro-macro, diria que este último fez o primeiro caminho utilizando o mesmo mecanismo do bom senso. O autor acrescenta que o bom senso é trabalhar com os sentidos para ver e sentir o mundo a ser compreendido.
Sendo assim, as aulas de História neste primeiro semestre de 2000 no ginásio estiveram voltadas o tempo todo para as mais variadas realidades dos nossos alunos. Realidade esta a ser estudada a luz dos acontecimentos históricos atuais. Um olhar sobre aspectos importantes da sociedade brasileira. A proposta não procura abraçar todos os conhecimentos históricos em um espaço tão curto de tempo. Mas o que é estudado, permite nosso aluno visualizar no campo histórico, como sua vida está comprometida por realidades estudadas nas aulas de História. Vejamos algumas experiências;
6ª série: A violência: O Brasil busca saídas nos modelos de proteção medievais.
A proposta do programa era estudar o final da Idade Média e suas crises. Fome, epidemias e a decadência do modelo econômico vigente formavam o quadro de época a ser entendido pela turma. Uma característica da crise do modelo feudal estava na figura proeminente do mercador que fazia suas trilhas de comércio nas terras dos homens ricos da época (os senhores feudais). As trilhas posteriormente foram se transformando em feiras, movimentando inicialmente as trocas até o ressurgimento da moeda. Em crise, o modelo econômico feudal acabou sendo submetido às regras de um novo modelo. Este, muito efêmero historicamente falando, o Mercantilismo organizou as bases do que futuramente será o Capitalismo. A figura dos salteadores na Idade Média é flagrante inclusive na literatura de época. Contos medievais contam que tamanha era a pobreza, que hordas de miseráveis espalhavam-se pela Europa em busca de um restinho de vida, já que não havia perspectivas de ascensão social. Os mercadores temendo-os começam a buscar soluções para a diminuição dos ataques em suas feiras cada vez maiores e mais ricas. Aproveitando-se do enfraquecimento político dos senhores feudais, começam a construir dentro dos feudos fortificações para suas feiras. Os muros, que eram exclusividade dos castelos, agora mudavam as paisagens do campo. Nascem os burgos, as novas cidades da época, que tinham o objetivo exclusivo de organizar a segurança das feiras.
A sexta série quando iniciou os estudos sobre a Idade Média assistiu em vídeo, um clássico da literatura medieval, a lendária corte do Rei Arthur é representada com muita delicadeza e perfeição no filme Excalibur. Na avaliação da turma, a violência era talvez o maior problema da época. Na realidade este aspecto chamou a atenção da sala porque a violência contemporânea tornou-se diária. No auge destes estudos, o jornal Folha de São Paulo, publicou a notícia de que em Ribeirão Preto um bairro está sendo totalmente murado visando à diminuição dos assaltos. No final da matéria o jornalista fez um comparativo histórico, explicando como funcionavam e quais eram os objetivos dos burgos na Idade Média. Nas diversas matérias sobre violência publicadas pelas revistas semanais, a revista Veja na primeira quinzena de maio, trouxe uma família inteira na capa, vestidas com armaduras medievais. A sala então se voltou para as discussões sobre a violência atual. Por quê a busca por soluções volta-se para o passado? Questões ligadas ao imediatismo da sociedade brasileira em criar condomínios fechados, blindar veículos e criar verdadeiros exércitos paralelos em busca de proteção revelam um modelo ultrapassado. Por ser bem heterogêneo, o grupo necessitou de novos subsídios para discutir a questão. O documentário “Prisioneiros do Medo”, da TV Cultura auxiliou na análise do que já avançou em termos de compreensão na busca de soluções do problema da violência. O investimento no social. O semestre chegou ao final com essas discussões ainda não conclusas. Ainda bem! Os alunos terão o mês de julho para ir verificando no seu dia a dia, nos casos dos assaltos sofridos por seus amigos e familiares além do mundo sangrento mostrado pela TV se há sinal de vida inteligente na discussão sobre a violência. Muros e armaduras definitivamente estão ultrapassados por alguns séculos de nossa era.
7ª série: Os movimentos sociais brasileiros e suas raízes no pensamento político francês.
O ano dois mil marca na História do Brasil, o ressurgimento, depois de anos de refluxo, dos movimentos sociais organizados como sinal de descontentamento do modelo neoliberal adotado pelo governo FHC. Nossos alunos puderam este ano, acompanhar diversas greves dos servidores públicos, a repressão ao MST, o fracasso das festividades dos 500 anos de Brasil e as tantas passeatas pela paz organizadas pela sociedade civil.
Foi dentro desta realidade que a sétima série foi motivada a refletir que o descontentamento da massa tem raízes históricas nos temas que estavam estudando em sala. A Revolução Francesa e Industrial proporcionaram a humanidade um novo horizonte de vida no plano político e econômico que se calcou nas desigualdades sociais e em conflitos políticos. Em 1871 pela primeira vez, essa nova mentalidade vai gerar o mais profundo conflito entre os dois projetos mais fortes da época. O dos trabalhadores e o da burguesia. A Comuna de Paris foi o primeiro governo dos trabalhadores organizados pós Revolução Industrial. O confronto, a luta, a tomada de poder revelaram aos alunos o que significam hoje para nós todos esses movimentos sociais. É a forma de ver e entender a sociedade que trás hoje essa necessidade de reivindicar mais justiça. Nossos alunos assistiram a repressão da tropa de choque sobre os professores na avenida Paulista em São Paulo e discutiram em sala, percebendo que a questão tem raízes históricas na Comuna de Paris, reprimida pelo governo francês com violência pela burguesia da época. Não era apenas a prefeitura de Paris que estava em jogo no conflito e sim o projeto Socialista do movimento sindical da época. Os sindicatos ainda existem e a sala começou a fazer os vínculos históricos necessários para perceber que a luta dos trabalhadores persiste até hoje.
Toda essa discussão desembocou em dois momentos importantes para a sétima série. Foi ela quem bolou o roteiro da quadrilha do ginásio para a nossa festa junina. Agora sala está organizando um mega painel procurando trazer todos os movimentos sociais para a discussão atual. A Comuna de Paris é o pano de fundo de toda essa discussão mostrando que a História é mais atual do que nunca!
As aulas de História dentro desta dinâmica também ocorreram na 8ª série. Analisando o Imperialismo do século XIX, os alunos puderam perceber porque os Estados Unidos possuem tanta força hoje, exercendo esse poder todo inclusive sobre o Brasil. Buscando nos aspectos culturais de nossos alunos pudemos perceber o quanto são influenciados peloamerican way of life.
Conclusões
Acredito no quanto avançamos este sentido. Os alunos podem visualizar com mais clareza o espaço que ocupa o ensino de História na construção do conhecimento. Continuamos dentro da prática de ensino de Freinet a busca incessante pela cidadania do nosso aluno. A longo prazo tudo isso deve desembocar na existência de adultos conscientes sobre o espaço em que vivem, podendo inclusive intervir nele fazendo propostas de mudanças. Seja num voto mais responsável ou na possibilidade de serem formadores de opinião na busca de mais justiça social e igualdade de direitos.
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