quinta-feira, 11 de julho de 2013

Texto. Doni fala...

entrevista cedida a aluna quarto anista do Projeto Cefam em 1999

Temas: História, ofício do professor e conceitos de ensino;
1ª A História da humanidade é a trajetória das conquistas, descobertas e avanços no conhecimento. Desde a Proto-história (nome correto para Pré-história), o homem ao conhecer mais sobre o mundo que vivia e sobre si mesmo foi sentindo a necessidade de conhecer mais sobre tudo. O tempo, foi permitindo a classificação, organização e sistematização desses conhecimentos. No mundo moderno (que começa com o fim da Idade Média)surge um espaço onde esses conhecimentos vão ser socializados, a escola. É válido dizer que o ensino teria começado com os filósofos gregos empenhados na atitude peripatética de transmissão das informações sobre o mundo, a vida e o homem. Minha visão de escola não dissocia-se da História. Hoje a escola, deve manter esse legado da humanidade. Espaço sagrado onde o conhecimento vai ser transmitido para permitir novos acúmulos, o que no futuro abrirá caminhos para novas descobertas. Minha visão é totalmente contrária a idéia dos governantes que vinculam a escola ao mercado; “a escola deve preparar o aluno para o trabalho”, assim discursam os pífios políticos atuais. Nada disso, o ensino, que é diferente da Educação, é uma herança da humanidade construído por séculos anteriores a existência do mercado.
     A escola tem um papel fundamental de construir valores sociais com o conhecimento já citado. Já a Educação é algo mais amplo. Dá-se ao meu ver lá na família, na rua, na igreja e outros espaços da sociedade. Minha dificuldade em ser educador reside justamente aí. Formado em História acho ultrajante ter que ensinar boas maneiras ao meus alunos. Tenho substituído ótimas aulas de História por “sermões” de como falar com as pessoas, pedir licença, não cuspir no chão, não falar de boca cheia e pasmem, até de que não se pode escovar os dentes no bebedouro (CEFAM agosto de 1999, aluna de 3º ano). Tudo isso é decorrente da idéia que a sociedade tem tido da escola como tutora de um processo educacional mais amplo do que o sentindo clássico aqui já exposto. A escola não pode Ter o papel da família.

2ª Além do CEFAM, sou professor da escola Curumim. Uma escola alternativa que tem como base a pedagogia de Celestin Freinét. O trabalho desenvolvido pela escola tem priorizado nos últimos anos uma opção de acolher crianças que segundo o senso comum social, rotulou-as como “especiais” ou como expresso na pergunta “dificuldades de aprendizagem”. A experiência tem nos mostrado que com um pouco mais de atenção, cuidado e acompanhamento as crianças outrora excluídas das salas “normais” de aula, passam a ter um desenvolvimento positivo dentro de suas limitações. Já há professores e pedagogos frenetianos que questionam os princípios da dislexia, um tipo de anormalidade mental que vai desvinculando o que a criança escreve, do seu entendimento e seqüência. Ou seja ela começa escrever e num instante esquece, não consegue dar continuidade em seus pensamentos, troca com freqüência as letras; “p” pelo “b” por exemplo. Tratadas de forma diferenciada das normas clássicas do ensino elas despertam para outros horizontes. Como isso ocorre, faz parte de um longo processo. Vale a pena visitar a escola para conferir. No que se refere ao ensino público é necessário afirmar que a junção de fatores que vão desde as salas com 40 a 45 alunos, baixos salários dos professores, escolas semi estruturadas até as políticas públicas equivocadas para educação, são responsáveis pela pior das exclusões sociais que se dão no espaço escolar. Recentemente afim de cortar gastos o Sr. Covas, aboliu as turmas especiais com alunos que possuem alguma deficiência, afim de colocá-los junto com as turmas “normais”. A iniciativa poderia ser algo interessante se no ensino público houvesse uma identidade mais clara com relação às propostas para isso. Os professores não foram preparados para isso. Muito menos os alunos ditos “normais”. Penso que deveria haver uma preparação que garantisse uma transição. Volto a insistir que o governo e muitas escolas particulares estão preocupadas com o mercado. O ensino tem um só caminho demarcado pelo financeiro, que em nada está preocupado com a formação do aluno. Com relação as crianças que ficam de fora da escola, nada surpreende se temos conhecimento que no estado neoliberal, a exclusão social é um princípio básico para atender o mercado. O discurso dos governantes de investimento na Educação é pura balela. São mentirosos. Discuto com qualquer um em qualquer lugar. Estou concluindo a leitura de um livro chamado, “O Brasil Privatizado” do jornalista Aloísio Biondi. Ele a partir das notícias da mídia conta o que o governo fez com a grana das privatizações que teoricamente iriam para as áreas sociais, como saúde, segurança e educação. Bem como o governo entregou nosso patrimônio das estatais. Quem entrega empresas rentáveis como Telebrás, Vale do Rio Doce e Embraer com tantas vantagens vai lá pensar em crianças fora da escola ?
3º Não possuo fórmulas para solucionar esses problemas. Aliás possuo sim, uma visão um pouco limitada das coisas pois trabalho em duas escolas bem diferentes de uma grande cidade. Os problemas do ensino tem dimensão nacional. Estaria sendo demagogo como muitos fazem em dizer que deveria ser “assim” ou “assado”. Mas não me omito em propor. Quem vai buscar as soluções para a exclusão social na escola é a sociedade. Pais, educadores, administradores e gente interessada no problema. A sociedade deve elaborar um projeto e vincular a eleição ou não dos candidatos aos cargos públicos ao cumprimento de tal projeto. Se isso não ocorrer, a sociedade deve exigir de todas as formas a deposição desses políticos, parar o país se for necessário. As grandes universidades do país devem envolver-se mais, propor e ajudar a cobrar. Estou aqui defendendo que o ensino é área a ser administrada pelo estado. Mesmo as escolas particulares devem ser acompanhadas pelo poder público de forma mais exigente. As escolas públicas e particulares devem elaborar uma carta de princípios para ver o que de comum esse projeto nacional poderá favorecer os alunos. A sociedade brasileira deverá convencer-se que sem um ensino decente ficaremos eternamente dependentes. Pareço genérico, mas não estou sendo pois tenho a consciência que toda a sociedade deve manifestar-se. Se isso vai dar trabalho ou é demorado é outra história. Alguém tem que começar e grupos organizados devem coordenar o processo independentes do Estado. Enquanto isso não ocorre a pressão social deve ser mais freqüente. O povo tem que reclamar mais e assumir compromissos com a sua cidadania. Não entendo como o povo aceita tão passivamente o que o governo tem feito com nosso ensino. No que me diz respeito, já que estou em uma escola que se propõe a formar futuras professoras, vivo o desafio de vendo essas garotas que escovam os dentes no bebedouro, tem preguiça de ler e escrever (muitas semi alfabetizadas), ignoram seus professores, falam o tempo todo durante as aulas e as que tem os mais estranhos comportamentos, faze-las educadoras aptas a esse novo projeto para o ensino.

Donizete Assis, 34, é professor de História formado pela PUCCAMP, com duas extensões, Pesquisa e Gestão Urbana pelo ICH da PUC. É também professor da Escola Curumim e do CEFAM ambas em Campinas.

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