sexta-feira, 12 de julho de 2013

Texto. Guerra dos Botões e os trabalhos em grupo.

A Guerra dos Botões e a importância do trabalho em grupo.

            Faz parte da galeria dos clássicos do cinema francês dos anos 60, A Guerra dos Botões, uma incrível fábula infantil dos nossos tempos. A refilmagem foi feita em 1994 e é uma produção anglo francesa. Aliás, a nova versão é ótima, pois preservou a história original escrita por Louis Pergoud, e atualizou várias informações, facilitando a compreensão. Poderíamos classificar A Guerra..., como uma aventura comédia das mais deliciosas. São dois grupos de crianças rivais que vivem disputando espaços no vilarejo, de características rurais, onde moram. A princípio disputam compradores de uma rifa, depois o território de uma ponte e, a um certo ponto, descobrem que os botões das roupas de seus inimigos podem ser o maior troféu desta “guerra”.
            O filme é recheado de dramas paralelos que explicam as causas da guerra. Não chega a ser melodramático. Em ambas as versões o elenco infantil dá uma aula de interpretação. E como não emocionar-se com diálogos tão reais sobre questões tão fantasiosas. O inverso também é verdadeiro. No original de 1961 dirigido por Yves Robert, há um diálogo na entrada dos banheiros da escola onde o grupo mais carente estuda. No recreio, elas decidem que uma maneira de enfraquecer os inimigos é comprar “uma montanha” de botões na cidade. Mas como fazê-lo ? O líder do grupo impõe o pagamento de uma quantia em dinheiro. Neste momento o grupo se divide. Os sem dinheiro escondem-se no banheiro. O líder argumenta que isso na República é “igualdade e fraternidade”. Segue assim um debate travado entre as crianças sobre como deve funcionar um regime de igualdade. No fundo revivem os ideais da Revolução Francesa. Ao final decidem juntos trabalhar para conseguir o dinheiro que falta. O diálogo travado na cena na linguagem cinematográfica, ousaria dizer que é antológica !
            O caro leitor deve estar perguntando o que este filme tem a ver com a minha proposta de trabalho? Nas várias mensagens encontradas no filme, eu destacaria a necessidade da união, solidariedade e do caminhar junto rumo aos objetivos coletivos. Fazer planos, estabelecer táticas e estratégias de ação. Permitir o diálogo grupal a fim de retomar pontos falhos e destacar os avanços. Mais do que uma ação pedagógica, acredito no trabalho em grupo como um caminho no sentido de humanizar cada vez mais o espaço escolar. No filme, o grupo das crianças  de uma camada mais popular, é o enfoque central, ficando o outro como um inimigo comum, até de quem o assiste ! Afinal como não revoltar-se contra aqueles “mauricinhos” tão bem tratados e insensíveis ? No fundo os grupos brigam por uma grande amizade, mas antes procuram sua auto afirmação num espaço determinado por suas fantasias infantis.
            Grandes coincidências ! A Guerra dos Botões é francês, a mesma nacionalidade de Celestin Freinét nosso referencial teórico na prática de sala de aula. No filme também há um professor que vive a experiência da escola de interior. Sozinho, trabalha com várias crianças, inclusive nosso grupo de garotos guerreiros. Aí talvez resida uma das divergências do filme com a prática do professor frenetiano. O professor ali é um ditador, não dialoga e quando o faz subjulga seus alunos. Na primeira versão isto não é diferente. Relembrando a biografia de Freinét, em Saint-Paul de Vence, a pratica freinetiana moldou-se na decisão coletiva da turma que estabelece como objetivo, a reconstrução  da escola. São motivadas pelas propostas da cooperativa escolar de Freinét.  Pena que isto não ocorra durante o filme, sendo que só nas cenas finais o professor envolve-se com seus alunos numa situação de vida ou morte. É um dos líderes dos grupos que tem um comportamento que muito lembra Freinét. Fergus, líder dos Ballys, negocia, ouve, propõe e submete-se ao grupo. Valoriza seus companheiros.
            No meu trabalho o contato com a sala/grupo prioriza-se a todo instante a avaliação do trabalho. Juntos decidimos a forma  de encaminharmos o aprofundamento do conteúdo ou um processo avaliativo. Esse poder de decisão e a responsabilidade sobre a realidade da sala de aula, percebo no projeto de Freinét. Aliás nós professores da Curumim, quanto mais o conhecemos mais nos damos conta do quanto ele é contemporâneo ainda hoje ! Tudo que se propõe atualmente nas políticas educacionais, Freinét já o fizera na prática durante as décadas de 40, 50 e 60.
            Outro aspecto que tenho priorizado nos trabalhos em grupo, é a valorização do processo de estudo. As leituras, as discussões sobre as estratégias do grupo, discutidas ao longo do processo do estudo, avalio como tão ou mais importantes que o resultado final da atividade. Ocorrem fatos fantásticos, quando um grupo trabalha de forma articulada. Aliás, acreditar no aluno, deixando-o  administrar seu tempo e espaço nos estudos é fundamental no trabalho. Retorno ao filme, relembrando que os Ballys, o grupo pobre da guerra,  foi à luta para conseguir recursos. Trabalharam, juntaram dinheiro e compraram uma “chuva de botões”. Construíram um forte para abrigar suas “riquezas”, e revezavam-se para vigiá-lo. Administraram assim seu tempo e espaço, só não contavam com um traidor. Mas aí, não conto mais sobre o filme para que o leitor tenha as surpresas que ele proporciona.
            O trabalho em grupo portanto também depende de técnicas de organização e auto gestão. Para mim não basta mandar os alunos se reunirem para trabalhar em grupo. É necessário clareza nas coordenadas iniciais, plano de trabalho discutido e escrito, relatórios diários das atividades desenvolvidas e monitoramento do professor. O registro das atividades desenvolvidas nas reuniões são  importantes do ponto de vista da avaliação processual.
            O ensino moderno, sério e sem modismos não comporta mais práticas da escolástica baseada na figura central do ensino, o professor como eminência do saber. É possível pelo trabalho em grupo estabelecer as relações de troca entre o conhecimento acadêmico e o universo multi mídia de nossos alunos que acumulam tanta informação com tão pouca formação. Aliás, nos trabalhos em  minhas aulas, os grupos quando apresentam seus estudos para a sala acabam trazendo essa linguagem nova no ensino para o espaço da sala de aula. Acredito firmemente estar contribuindo não só para a transmissão dos conhecimentos básicos e necessários da História, mas também a humanização dos alunos no contato direto do trabalho. Não há mais apenas a tela do computador, o medo das ruas ou as paredes dos apartamentos ou os muros eletrificados e sim outro aluno de carne e osso no mesmo processo. Quanto ao filme, A Guerra dos Botões, no final descobre-se que a rivalidade atravessou gerações mas neste último conflito a criatividade dos grupos abriu um novo horizonte na História de gente simples com o mais maravilhoso dos sonhos humanos; viver em busca dos seus ideais. 
            Quando este texto estava prestes a ir para o prelo, eis que Aimar uma professora de Conteúdo e Metodologia amiga do CEFAM, indicou-me outro filme. Mas avisou, o “Senhor das Moscas” é a antítese da Guerra dos Botões. Descobri que o professor Ronaldo, um cinéfilo professor de matemática, tinha a fita. Vi o filme e ao final, senti aquela sensação popularmente chamada “tapa na cara”. Senhor das Moscas também é um remake de outro filme de 1963 dirigido por Peter Brocks. O tema, é a partir do livro homônimo, escrito pelo prêmio Nobel  de literatura Sir Willian Golding. Resumindo o roteiro; grupo de garotos de uma escola militar sofre um naufrágio e tem que se virar em uma ilha deserta. Organizam-se como podem. Nas dificuldades, transformam o filme numa metáfora do que seria a humanidade, quando esta fosse pautada apenas pelos instintos. O grupo se divide em duas facções e uma guerra de verdade é travada, incluindo roubos, torturas e mortes. A versão em vídeo saiu inédita do cinema.  A produção é norte americana de 1990 e foi lançada em 1993 no Brasil. Vale a pena conferir, comparar com a Guerra dos Botões e fazer profundas reflexões sobre a vida em grupo.
Donizete Assis, 34, é professor de História formado pela PUCCAMP, com duas extensões pelo ICH/PUC, trabalha além da Escola Curumim, também no Centro de Formação e Aperfeiçoamento do Magistério, ambas em Campinas.

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