APROVAÇÃO/REPROVAÇÃO; POSIÇÕES POLÍTICAS CONFUSAS NO
COTIDIANO ESCOLAR
D☺NI®
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Se o caro leitor já teve a oportunidade de ler esse
clássico da literatura filosófica, sabe muito bem que o aparente mundo
tranqüilo de Cândido irá à seqüência transformar-se numa odisséia de
descobertas sobre o mundo e a vida. O jovem Cândido vai por suas inverossímeis
viagens conhecer o mundo dasacomodando-o de seu calmo cotidiano. A obra de
Voltaire me incomoda neste momento em que redijo este texto. O tema central deste
texto é um dos mais polêmicos deste final de milênio para a escola. Desafio-me
a tecer considerações que vão com certeza gerar polêmicas e posicionar-se com
uma tendência que avança mais a cada dia em nosso cotidiano escolar. Bem, mesmo assim vamos lá! Está aberto o
debate!
Parece-me muito claro a lucidez de meus colegas com
relação às concepções pedagógicas que movem o trabalho de alguns professores
que conheço. Em meus nove anos de sala de aula, trabalhei com muitos
professores conscientes da necessidade de clareza na forma de atuação em sala
de aula. Alguns com uma disciplina espartana! Sempre se pautaram em suas
leituras e no complemento teórico de sua graduação. Conheci também muita gente
ruim. Gente que sem muita base sempre disse “amém” aos projetos estatais sem
saberem exatamente o que significavam. No momento há uma questão que persegue
todos os professores (medíocres ou não!) como os Búlgaros perseguiam Cândido e
sua troupe. É a questão da aprovação e reprovação. Sobre os alunos que em tese
“merecem” ou não “passarem de ano”. Já testemunhei muita aberração em torno
deste problema. Faladas e executadas, criaram uma verdadeira neurose
educacional. Neurose essa que me fez desistir do ensino público no início de
2001. Não esquecendo a questão profissional é lógico que no ensino público, que
só não vou escrever aqui beirar a “escravidão” para não chocar os vários
colegas que feliz (ou infeliz) mente vão ler este texto.
Como é de conhecimento
público, desde 1996 a nova LDB (Leis de Diretrizes de Bases da Educação) trouxe
entre várias inovações a possibilidade de adoção dos Ciclos. Desta forma os
Estados que adotassem os ciclos, estariam abolindo a reprovação em todas as
séries ou em outros casos nas chamadas séries terminais. Muitos estados adotaram
esta prática assim como alguns municípios. Desde então a polêmica foi lançada
com ferocidade no meio da sociedade. Os defensores da proposta começaram a
alardear a necessidade da escola passar por uma profunda revisão. Os educadores
deveriam se reciclar para esse novo desafio. Os grandes problemas da educação
pareciam agora começarem a ser resolvidos. Ainda que as escolas e os
professores continuassem exatamente os mesmos! Ainda que o financiamento do
ensino público passasse apenas por uma redistribuição do dinheiro sem qualquer
ampliação dos seus valores nominais. Ainda que os ciclos na realidade, não só
colocariam o Brasil dentro de uma tendência mundial, como atendia na realidade
às exigências do Banco Mundial no caso dos empréstimos para investimentos sociais.
Nas escolas privadas o financiamento ainda que privado também sofreria uma
reacomodamento, tendo em tese os anos de estudos dos alunos. Ora flexibilizada
pela não adoção dos ciclos, ora atrofiado pela passagem demarcada nos anos de
escolarização sem as tais repetências.
Passados alguns anos, a
sociedade começa a colher os frutos do malfadado projeto oficial da Progressão
Continuada. Pipocaram por todo país, dados alarmantes sobre as primeiras
gerações formadas sob o auspício dos ciclos. O ponto alto deste diagnóstico
deu-se em abril deste ano. O jornalista Gilberto Vasconcelos em matéria para a
revista ISTOÉ, revelou a triste realidade de crianças na periferia de São Paulo
com 12, 13 e 14 anos que mal sabem desenhar as letras e escrevam indecifráveis
frases quando feito um ditado. O mesmo jornalista retornaria no mês de julho
com a mesma matéria, só que ampliada, na revista Educação. Matéria de capa com
a bombástica manchete; “Fracassamos
Fim da repetência gera
sistema que dá diplomas para jovens de 15 anos, analfabetos”. É válido lembrar que a Progressão
Continuada, também foi pauta na greve de 43 dias dos professores estaduais em
2000. Greve esta que rendeu porrada em todo mundo, inclusive para o então
governador Mário Covas. Bem, o fato de estar escrevendo este texto e
divulgando-o é que desejo mesmo marcar posição!
Sou radicalmente contra a aprovação automática seja na rede pública ou
na particular. Toda argumentação que ouço não se sustenta!
Tenho
ouvido muito que a experiência dos ciclos em Porto Alegre “está sendo
positiva”. Será? Quem diz isso? As informações partem de documentos oficiais e
disso desconfio de muita coisa! A simpatia pelo projeto, também tem se dado
pela realidade de ser a prefeitura de Porto Alegre, administrada pelo Partido dos
Trabalhadores. Aqui um imbróglio político! Oras! Já vi muito educador criticar
o mesmo sistema em São Paulo e elogiar o de Porto Alegre, como se falasse de
coisas diferentes. O problema é que em São Paulo, o detestável governo do PSDB
e a ignóbil Rose Neubauer estão à frente do projeto. São do PSDB de FHC. Qual o problema “cara pálida?” Lá é do PT? E
o PT administra bem? Então qual o problema “cara pálida?” É conteúdo ou forma?
Ah! Então é a forma? Não creio! O problema é de conteúdo!
Fala-se em
novos paradigmas. Fala-se em mudanças, novos comportamentos e atitudes do
professor. No entanto falta também uma certa objetividade acadêmica de algumas
posições.
APROVAÇÃO/REPROVAÇÃO; PEDRO DEMO FAZ CONSIDERAÇÕES
IMPORTANTES PARA REFLETIR.
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Passo
a tecer considerações a partir de agora, baseadas na leitura de um texto de
Pedro Demo, sob o título; “Promoção Automática e a Capitulação da Escola”, publicado no caderno Ensaios
da Fundação CESGRANRIO, abril/junho de 1998. Declaradamente contra a aprovação automática,
o autor parte do princípio de uma Pedagogia da Verdade, tendo em vista que o
aluno deve ser informado com clareza quando não aprendeu o que deveria. O autor
compartilha a tarefa com os educadores, tendo o objetivo de atuação mais
incisiva e comprometida no aprendizado do aluno.
Às vésperas do terceiro
milênio, nossa sociedade é pontuada pelos meios multi mídias. Tudo virou mídia
e a sociedade é reconhecidamente tecnológica, por mais que a mesma tente
humaniza-la estabelecendo novas relações e concepções de mundo. O humanismo não
sobrevive ao mercado! Nossos alunos queiramos ou não vão enfrentar a crueldade
e desumanidade dos vestibulares e dos processos seletivos, seja por emprego,
seja por acesso a cursos específicos. A TV, o cinema, os jornais e revistas e
demais processos de maturação informativa colocarão nossos alunos no alvo do
consumo, do imobilismo político e na necessidade de sobrevivência não só pelo
trabalho, mas na própria qualidade de vida. De vez em quando ouço um “Ah! Do
que vai adiantar nosso aluno aprender” x “ou” y “...”, sendo assim não
importa reprovar o aluno em determinado conteúdo. Não se questiona aqui a
necessidade de uma educação puramente informativa de conhecimentos. Segundo
Pedro Demo, tratamos sim de “ao lado da competência formal, deixando-se de
lado a competência política”. É a velha máxima; “Saber é poder”.
Em São Paulo, a Progressão
Continuada produziu uma geração de nanicos intelectuais. Os resultados do SAEB
(Sistema de Avaliação do Ensino Básico) tem sido alarmantes. A trupe do PSDB
passou desde então a procurar os “culpados” pelo não sucesso do projeto.
Recaíram sob as costas dos professores as ineficácias do sistema. Em matéria no
jornal Folha de São Paulo (29/11/2000), os dados do SAEB revelaram queda também
nos dados das escolas particulares. “A escola particular é chata! O aluno é
cada vez mais dispersivo e indisciplinado. A escola não se reciclou, o
professor interage pouco com os alunos, os conteúdos devem ser decorados, as
matérias são distantes da realidade”.Afirmou Paulo Renato, ministro da
educação. E o sistema ministro? Nenhuma crítica?
Voltando as considerações de
Pedro Demo, ele é contundente numa questão que tem sido freqüente nas rodas de
discussão sobre aprovação/reprovação. A questão da auto estima. Ele critica o
fato do fracasso escolar gerar abalos na auto estima do aluno. Defendendo a
idéia de uma Pedagogia da Verdade com o aluno, o autor chama a atenção para um
aspecto, meio ausente nas análises sobre à auto-estima; “O aluno que não
aprende necessita absolutamente saber disso. (...) se o aluno não formar
consciência crítica em torno de sua aprendizagem, propende a formular uma
atitude indefinida e que favorece, ainda mais, o fracasso escolar”. Ao meu
ver, uma dificuldade muito grande para nós educadores é a exatidão diagnóstica
do aprendizado do aluno. É um campo a ser avançado com muita discussão e
leitura. Temos alguns pontos norteadores, ao avaliar nossos alunos com certo
grau de aprendizado. Mas aqueles com dificuldades muito grandes ou especiais
merecem elevado cuidado de análise. Análise esta que acaba relevando a
discussão da aprovação ou não. É a certeza do aprendizado que importa! Fico
numa angustiante dúvida. Será que o aluno, constantemente “empurrado” para
frente sem aprender nada, favorecido pelas benesses do sistema não estaria
retardando seu processo natural de recuperação? Será que Pedro Demo não está
coberto de razão quando associa a idéia de capitulação da escola, que de certa
forma acaba desistindo do aluno ao “cicla-lo?” Outro ponto polêmico, inclusive
colocado em nossas reuniões de HTPC. O aluno teria dificuldades estruturais e
de certa forma “deu tudo que podia dar” mas não conseguiu aprender. No texto de
Demo há o questionamento da existência concreta dos diagnósticos precisos
feitos pelos educadores. Existira pelas condições existentes, principalmente na
escola pública, uma atitude imprecisa de “chute” por parte dos professores.
Excesso de aulas, formação precária, escolas sem recursos e toda uma situação
desfavorável dos educadores que tem essa tarefa de realizar um diagnóstico
preciso do aluno.
Propondo-me a um trabalho
transparente, fico imaginando nessa geração de crianças e adolescentes
empurradas em seu período escolar. As dificuldades extremas que vem acumulando,
vai ao certo ter um reflexo grave no futuro. E a auto-estima deles do futuro?
Só a de agora é a que importa? Não vão se sentir lesados? As teorias que
apontam melhoria para os alunos que são ciclados, não teriam o campo de análise
muito limitada, já que o sistema é recente no Brasil? Os dados revelados pela
grande imprensa, que mostram uma geração de jovens intelectualmente limitados
não são mau presságio? De que forma a sociedade vai continuar se comprometendo
com essa geração, se as bases continuam as mesmas. Cicla o aluno hoje, mas os
vestibulares continuam excludentes. E dá-lhe cursinho! Cicla o aluno hoje, mas
o mercado de trabalho exige os melhores dos melhores. Os que sabem mais, os que
estudam mais e os de melhores notas.
O espaço destinado a este texto
não me permite avançar mais. No entanto, minhas principais colocações já foram
feitas e penso ter reaberto debate. Fico preocupado com nossos alunos no
futuro. Penso aqui inclusive em meus alunos da escola pública. Os pedagocratas
de plantão na realidade comungam com projetos estatais visando garantir
financiamento para suas ações “sociais”. Num caderno de mais de 20 páginas, a
prefeitura de Porto Alegre mostra dados sobre os Ciclos adotados por aquelas
bandas. Poderia ser a redenção de minhas leituras e eu passaria a pensar; “pôxa,
olha aí como os ciclos deram certo lá...” Como o faria? É um documento
oficial com diversos teóricos defendendo os ciclos como solução essencial aos
problemas educacionais. Fico pensando não só na teoria da coisa. Queria saber
melhor como é o cotidiano das escolas onde os ciclos foram adotados. Será que
os jovens e adolescentes portos alegrenses são diferentes dos paulistas? E os
professores? Os problemas? Enfim, passam a idéia de quase 100% de eficiência.
Continuo sem referências ainda para mudar meu ponto de vista. O texto de Pedro
Demo aqui comentado é meu referencial básico. Não uma realidade final, mas um
conjunto de questionamentos a serem refletidos por muito tempo.
Bem, chego ao final deste
texto pensando que se você leu tudo e sobreviveu sabe lá o que está pensando.
Quero sim polemizar! Como não é um texto inédito e muita gente já leu, já
recebi muitas pauladas por causa dele! Já me chamaram de “direitoso”, atrasado,
tradicional (como se essa palavrinha abalasse um Historiador), revoltado e
outras bobagens! Então ta, se é pra descordar dessas idéias que não
exclusividades minhas, então que argumentos se apresentam? A polêmica está
lançada! Escreva suas idéias e mande-me! Vamos discutir? Ah! Sobre ser chamado
de “direitoso” e até de positivista, queria esclarecer que de tanto ver teórico
de esquerda despreparado e confuso é que passei a admirar alguns pensadores de
direita positivistas. Não pelas idéias que apresentam e sim pelo brilhantismo
de suas argumentações. Coisa que muitos de nós “moderninhos” gestados nos
modernismos esquerdistas dos anos 80, nunca conseguiram muito bem encaminhar!
Isso me obrigou a ler mais e pensar! Pensar! Putz que legal! SOU UM
PROFESSOR QUE PENSA!!!!!!!!!!
BIBLIOGRAFIA
AZEVEDO, José Carlos de Almeida, Conteúdo e Forma,
Tendências e Debates, “O sistema de ciclos, que elimina a repetência, é uma boa
alternativa para a educação?”, Jornal Folha de São Paulo, p-3, 7 de outubro,
2000.
BENCINI, Roberta. Vergonha Nacional. Revista Nova Escola,
nº 137, p-16 – 22, Fundação Victor Civita, novembro de 2000.
DEMO, Pedro. Promoção Automática e Capitulação da Escola.
Ensaio: avaliação e políticas públicas em Educação, abril/junho 1998.
NASCIMENTO, Gilberto. O fracasso de todos
nós. Revista Educação p-36-44, nº 231, julho de 2000.
PORTO ALEGRE, Prefeitura Municipal de.Caderno
de Formação em debate. Ciclos. 2000.
VOLTAIRE, Cândido ou o otimismo (1759).
Introdução de Riccardo Campi, Clássicos Econômicos Newton, 1994.
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