segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Texto sobre debate aprovação X reprovação escolar.

APROVAÇÃO/REPROVAÇÃO; POSIÇÕES POLÍTICAS CONFUSAS NO COTIDIANO ESCOLAR
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O barão era um dos mais poderosos fidalgos da Vestfália, já que seu Castelo tinha porta e janelas. A sala nobre era até ornamentada por uma tapeçaria. Em caso de necessidade, todos os cães das dependências compunham uma matilha: os palafreneiros seriam-lhe de monteadores; o vigário da aldeia era promovido a padre capelão. Todos o chamavam de alteza e riam quando contavam casos”.
(Cândido de Voltaire – 1759)
 
 








Se o caro leitor já teve a oportunidade de ler esse clássico da literatura filosófica, sabe muito bem que o aparente mundo tranqüilo de Cândido irá à seqüência transformar-se numa odisséia de descobertas sobre o mundo e a vida. O jovem Cândido vai por suas inverossímeis viagens conhecer o mundo dasacomodando-o de seu calmo cotidiano. A obra de Voltaire me incomoda neste momento em que redijo este texto. O tema central deste texto é um dos mais polêmicos deste final de milênio para a escola. Desafio-me a tecer considerações que vão com certeza gerar polêmicas e posicionar-se com uma tendência que avança mais a cada dia em nosso cotidiano escolar.   Bem, mesmo assim vamos lá! Está aberto o debate!

Parece-me muito claro a lucidez de meus colegas com relação às concepções pedagógicas que movem o trabalho de alguns professores que conheço. Em meus nove anos de sala de aula, trabalhei com muitos professores conscientes da necessidade de clareza na forma de atuação em sala de aula. Alguns com uma disciplina espartana! Sempre se pautaram em suas leituras e no complemento teórico de sua graduação. Conheci também muita gente ruim. Gente que sem muita base sempre disse “amém” aos projetos estatais sem saberem exatamente o que significavam. No momento há uma questão que persegue todos os professores (medíocres ou não!) como os Búlgaros perseguiam Cândido e sua troupe. É a questão da aprovação e reprovação. Sobre os alunos que em tese “merecem” ou não “passarem de ano”. Já testemunhei muita aberração em torno deste problema. Faladas e executadas, criaram uma verdadeira neurose educacional. Neurose essa que me fez desistir do ensino público no início de 2001. Não esquecendo a questão profissional é lógico que no ensino público, que só não vou escrever aqui beirar a “escravidão” para não chocar os vários colegas que feliz (ou infeliz) mente vão ler este texto.

Como é de conhecimento público, desde 1996 a nova LDB (Leis de Diretrizes de Bases da Educação) trouxe entre várias inovações a possibilidade de adoção dos Ciclos. Desta forma os Estados que adotassem os ciclos, estariam abolindo a reprovação em todas as séries ou em outros casos nas chamadas séries terminais. Muitos estados adotaram esta prática assim como alguns municípios. Desde então a polêmica foi lançada com ferocidade no meio da sociedade. Os defensores da proposta começaram a alardear a necessidade da escola passar por uma profunda revisão. Os educadores deveriam se reciclar para esse novo desafio. Os grandes problemas da educação pareciam agora começarem a ser resolvidos. Ainda que as escolas e os professores continuassem exatamente os mesmos! Ainda que o financiamento do ensino público passasse apenas por uma redistribuição do dinheiro sem qualquer ampliação dos seus valores nominais. Ainda que os ciclos na realidade, não só colocariam o Brasil dentro de uma tendência mundial, como atendia na realidade às exigências do Banco Mundial no caso dos empréstimos para investimentos sociais. Nas escolas privadas o financiamento ainda que privado também sofreria uma reacomodamento, tendo em tese os anos de estudos dos alunos. Ora flexibilizada pela não adoção dos ciclos, ora atrofiado pela passagem demarcada nos anos de escolarização sem as tais repetências.

Passados alguns anos, a sociedade começa a colher os frutos do malfadado projeto oficial da Progressão Continuada. Pipocaram por todo país, dados alarmantes sobre as primeiras gerações formadas sob o auspício dos ciclos. O ponto alto deste diagnóstico deu-se em abril deste ano. O jornalista Gilberto Vasconcelos em matéria para a revista ISTOÉ, revelou a triste realidade de crianças na periferia de São Paulo com 12, 13 e 14 anos que mal sabem desenhar as letras e escrevam indecifráveis frases quando feito um ditado. O mesmo jornalista retornaria no mês de julho com a mesma matéria, só que ampliada, na revista Educação. Matéria de capa com a bombástica manchete; “Fracassamos Fim da repetência gera sistema que dá diplomas para jovens de 15 anos, analfabetos”. É válido lembrar que a Progressão Continuada, também foi pauta na greve de 43 dias dos professores estaduais em 2000. Greve esta que rendeu porrada em todo mundo, inclusive para o então governador Mário Covas. Bem, o fato de estar escrevendo este texto e divulgando-o é que desejo mesmo marcar posição!  Sou radicalmente contra a aprovação automática seja na rede pública ou na particular. Toda argumentação que ouço não se sustenta!

Tenho ouvido muito que a experiência dos ciclos em Porto Alegre “está sendo positiva”. Será? Quem diz isso? As informações partem de documentos oficiais e disso desconfio de muita coisa! A simpatia pelo projeto, também tem se dado pela realidade de ser a prefeitura de Porto Alegre, administrada pelo Partido dos Trabalhadores. Aqui um imbróglio político! Oras! Já vi muito educador criticar o mesmo sistema em São Paulo e elogiar o de Porto Alegre, como se falasse de coisas diferentes. O problema é que em São Paulo, o detestável governo do PSDB e a ignóbil Rose Neubauer estão à frente do projeto. São do PSDB de FHC.  Qual o problema “cara pálida?” Lá é do PT? E o PT administra bem? Então qual o problema “cara pálida?” É conteúdo ou forma? Ah! Então é a forma? Não creio! O problema é de conteúdo!

Fala-se em novos paradigmas. Fala-se em mudanças, novos comportamentos e atitudes do professor. No entanto falta também uma certa objetividade acadêmica de algumas posições.


APROVAÇÃO/REPROVAÇÃO; PEDRO DEMO FAZ CONSIDERAÇÕES IMPORTANTES PARA REFLETIR.

“A visível boa intenção que existe no fundo é facilmente desfeita pela tentação de promover sem a devida aprendizagem, apelando inclusive para o argumento da sustentação da auto estima do aluno. (...) Ademais, não se cultiva a auto estima pela via do escamoteamento. A pedagógica da verdade é sempre preferível. A verdade do aluno é a aprendizagem bem feita”.
(Pedro Demo – PhD em Sociologia, Universidade Saabrúken, Alemanha. Professor Titular da UnB.).
  
Passo a tecer considerações a partir de agora, baseadas na leitura de um texto de Pedro Demo, sob o título; “Promoção Automática e a Capitulação da Escola”, publicado no caderno Ensaios da Fundação CESGRANRIO, abril/junho de 1998. Declaradamente contra a aprovação automática, o autor parte do princípio de uma Pedagogia da Verdade, tendo em vista que o aluno deve ser informado com clareza quando não aprendeu o que deveria. O autor compartilha a tarefa com os educadores, tendo o objetivo de atuação mais incisiva e comprometida no aprendizado do aluno.

Às vésperas do terceiro milênio, nossa sociedade é pontuada pelos meios multi mídias. Tudo virou mídia e a sociedade é reconhecidamente tecnológica, por mais que a mesma tente humaniza-la estabelecendo novas relações e concepções de mundo. O humanismo não sobrevive ao mercado! Nossos alunos queiramos ou não vão enfrentar a crueldade e desumanidade dos vestibulares e dos processos seletivos, seja por emprego, seja por acesso a cursos específicos. A TV, o cinema, os jornais e revistas e demais processos de maturação informativa colocarão nossos alunos no alvo do consumo, do imobilismo político e na necessidade de sobrevivência não só pelo trabalho, mas na própria qualidade de vida. De vez em quando ouço um “Ah! Do que vai adiantar nosso aluno aprender” x “ou” y “...”, sendo assim não importa reprovar o aluno em determinado conteúdo. Não se questiona aqui a necessidade de uma educação puramente informativa de conhecimentos. Segundo Pedro Demo, tratamos sim de “ao lado da competência formal, deixando-se de lado a competência política”. É a velha máxima; “Saber é poder”.

Em São Paulo, a Progressão Continuada produziu uma geração de nanicos intelectuais. Os resultados do SAEB (Sistema de Avaliação do Ensino Básico) tem sido alarmantes. A trupe do PSDB passou desde então a procurar os “culpados” pelo não sucesso do projeto. Recaíram sob as costas dos professores as ineficácias do sistema. Em matéria no jornal Folha de São Paulo (29/11/2000), os dados do SAEB revelaram queda também nos dados das escolas particulares. “A escola particular é chata! O aluno é cada vez mais dispersivo e indisciplinado. A escola não se reciclou, o professor interage pouco com os alunos, os conteúdos devem ser decorados, as matérias são distantes da realidade”.Afirmou Paulo Renato, ministro da educação. E o sistema ministro? Nenhuma crítica?

Voltando as considerações de Pedro Demo, ele é contundente numa questão que tem sido freqüente nas rodas de discussão sobre aprovação/reprovação. A questão da auto estima. Ele critica o fato do fracasso escolar gerar abalos na auto estima do aluno. Defendendo a idéia de uma Pedagogia da Verdade com o aluno, o autor chama a atenção para um aspecto, meio ausente nas análises sobre à auto-estima; “O aluno que não aprende necessita absolutamente saber disso. (...) se o aluno não formar consciência crítica em torno de sua aprendizagem, propende a formular uma atitude indefinida e que favorece, ainda mais, o fracasso escolar”. Ao meu ver, uma dificuldade muito grande para nós educadores é a exatidão diagnóstica do aprendizado do aluno. É um campo a ser avançado com muita discussão e leitura. Temos alguns pontos norteadores, ao avaliar nossos alunos com certo grau de aprendizado. Mas aqueles com dificuldades muito grandes ou especiais merecem elevado cuidado de análise. Análise esta que acaba relevando a discussão da aprovação ou não. É a certeza do aprendizado que importa! Fico numa angustiante dúvida. Será que o aluno, constantemente “empurrado” para frente sem aprender nada, favorecido pelas benesses do sistema não estaria retardando seu processo natural de recuperação? Será que Pedro Demo não está coberto de razão quando associa a idéia de capitulação da escola, que de certa forma acaba desistindo do aluno ao “cicla-lo?” Outro ponto polêmico, inclusive colocado em nossas reuniões de HTPC. O aluno teria dificuldades estruturais e de certa forma “deu tudo que podia dar” mas não conseguiu aprender. No texto de Demo há o questionamento da existência concreta dos diagnósticos precisos feitos pelos educadores. Existira pelas condições existentes, principalmente na escola pública, uma atitude imprecisa de “chute” por parte dos professores. Excesso de aulas, formação precária, escolas sem recursos e toda uma situação desfavorável dos educadores que tem essa tarefa de realizar um diagnóstico preciso do aluno.

Propondo-me a um trabalho transparente, fico imaginando nessa geração de crianças e adolescentes empurradas em seu período escolar. As dificuldades extremas que vem acumulando, vai ao certo ter um reflexo grave no futuro. E a auto-estima deles do futuro? Só a de agora é a que importa? Não vão se sentir lesados? As teorias que apontam melhoria para os alunos que são ciclados, não teriam o campo de análise muito limitada, já que o sistema é recente no Brasil? Os dados revelados pela grande imprensa, que mostram uma geração de jovens intelectualmente limitados não são mau presságio? De que forma a sociedade vai continuar se comprometendo com essa geração, se as bases continuam as mesmas. Cicla o aluno hoje, mas os vestibulares continuam excludentes. E dá-lhe cursinho! Cicla o aluno hoje, mas o mercado de trabalho exige os melhores dos melhores. Os que sabem mais, os que estudam mais e os de melhores notas.

O espaço destinado a este texto não me permite avançar mais. No entanto, minhas principais colocações já foram feitas e penso ter reaberto debate. Fico preocupado com nossos alunos no futuro. Penso aqui inclusive em meus alunos da escola pública. Os pedagocratas de plantão na realidade comungam com projetos estatais visando garantir financiamento para suas ações “sociais”. Num caderno de mais de 20 páginas, a prefeitura de Porto Alegre mostra dados sobre os Ciclos adotados por aquelas bandas. Poderia ser a redenção de minhas leituras e eu passaria a pensar; “pôxa, olha aí como os ciclos deram certo lá...” Como o faria? É um documento oficial com diversos teóricos defendendo os ciclos como solução essencial aos problemas educacionais. Fico pensando não só na teoria da coisa. Queria saber melhor como é o cotidiano das escolas onde os ciclos foram adotados. Será que os jovens e adolescentes portos alegrenses são diferentes dos paulistas? E os professores? Os problemas? Enfim, passam a idéia de quase 100% de eficiência. Continuo sem referências ainda para mudar meu ponto de vista. O texto de Pedro Demo aqui comentado é meu referencial básico. Não uma realidade final, mas um conjunto de questionamentos a serem refletidos por muito tempo.

Bem, chego ao final deste texto pensando que se você leu tudo e sobreviveu sabe lá o que está pensando. Quero sim polemizar! Como não é um texto inédito e muita gente já leu, já recebi muitas pauladas por causa dele! Já me chamaram de “direitoso”, atrasado, tradicional (como se essa palavrinha abalasse um Historiador), revoltado e outras bobagens! Então ta, se é pra descordar dessas idéias que não exclusividades minhas, então que argumentos se apresentam? A polêmica está lançada! Escreva suas idéias e mande-me! Vamos discutir? Ah! Sobre ser chamado de “direitoso” e até de positivista, queria esclarecer que de tanto ver teórico de esquerda despreparado e confuso é que passei a admirar alguns pensadores de direita positivistas. Não pelas idéias que apresentam e sim pelo brilhantismo de suas argumentações. Coisa que muitos de nós “moderninhos” gestados nos modernismos esquerdistas dos anos 80, nunca conseguiram muito bem encaminhar! Isso me obrigou a ler mais e pensar! Pensar! Putz que legal! SOU UM PROFESSOR QUE PENSA!!!!!!!!!! 

BIBLIOGRAFIA

AZEVEDO, José Carlos de Almeida, Conteúdo e Forma, Tendências e Debates, “O sistema de ciclos, que elimina a repetência, é uma boa alternativa para a educação?”, Jornal Folha de São Paulo, p-3, 7 de outubro, 2000.

BENCINI, Roberta. Vergonha Nacional. Revista Nova Escola, nº 137, p-16 – 22, Fundação Victor Civita, novembro de 2000.

DEMO, Pedro. Promoção Automática e Capitulação da Escola. Ensaio: avaliação e políticas públicas em Educação, abril/junho 1998.

NASCIMENTO, Gilberto. O fracasso de todos nós. Revista Educação p-36-44, nº 231, julho de 2000.

PORTO ALEGRE, Prefeitura Municipal de.Caderno de Formação em debate. Ciclos. 2000.


VOLTAIRE, Cândido ou o otimismo (1759). Introdução de Riccardo Campi, Clássicos Econômicos Newton, 1994.

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